segunda-feira, março 23, 2009

Off topic: educaçao, criatividade e um brilhosinho nos olhos

De cada vez que os exames me batem à porta a minha cabeça parece que rebenta com duvidas acerca da minha capacidade, da minha concentração, da minha memória, da minha inteligência e do meu engenho... estes dias de espera (que deveriam ser de preparação e estudo) antes do apertar da mandíbula da demonstração em papel, em tempo determinado, das coisas que devo saber, causam-me uma angústia e um sofrimento desbordante que só às vezes consigo neutralizar. Uma maneira de o conseguir, a que sempre funciona, é estar preparado, saber a matéria, ter feito exercícios, conhecer o que precede e o que que possibilita determinada questão, as suas aplicações, etc... nem sempre acontece isto. E nem sempre é rápido.

Uma das cadeiras que levo penduradas ao pescoço chama-se Cálculo Infinitesimal. Os temas de tal cadeira são: operações e representações de funções de uma variável, derivação e integração das mesmas, séries numéricas e desenvolvimento em séries de Fourier. São tudo temas interessantíssimos. Santíssimos. Mas no primeiro ano chumbei, aprendi qualquer coisa, mas chumbei. Foi a única cadeira que deixei esse ano, onde aprovei Sistemas Digitais, Programação, Eletrônica I (de acordo com o acordo ortográfico - versão GPL), Álgebra Linear, Tecnologia Electrónica (em desacordo) e Inglês.

Contudo, no segundo ano foi quando aprendi algumas das coisas que tinha aprovado no ano lectivo anterior. Chegar a casa depois de algumas aulas de Circuitos e cantar a viva voz à Iris: “Miúda. Aquilo das matrizes é tudo rectas! A álgebra são rectas!” “Daahh... pois deve ser por isso que lhe chamam álgebra lineal.” “Aaahhh... esperta que és!”. Pois... às vezes sou um bocado lento, não chego lá à primeira, mas quando chego é altamente; sabe-me mesmo bem. A alegria da revelação é uma coisa extraordinária. Toda a gente já passou por isto. E a mim voltou-me a acontecer: em Física descobri que as integrais afinal servem para coisas, e que quando entendes esse pequeno conceito que é a continuidade e como se opõe este conceito a outro que é a discretividade apareceram-me raios de iluminação em coisas tão abstratas e incompreensíveis até então como o infinito e o infinitesimalmente pequeno, o analógico e o digital, a propagação electromagnética, etc... enough tech talk.

O que acontece é que ainda estou longe de conseguir aprovar/compreender muitas das coisas que tenho diante de mim, neste objectivo académico que é acabar o curso de Engenheria Técnica em Telecomunicações. Falta muito. Muito tempo e muito saber, e pode que muitos euros.

Na minha primeira tentativa académica “falhada”, Engenheria Informática, Universidade de Coimbra, curso de 97, em 7 meses ganhei um bocadinho menos de fígado, um notável nível de conversação em Espanhol do sul e uma certeza: aquilo da Engenharia Informática não era para mim. Eu gostava muito de computadores (ainda hoje), muito de música (ainda hoje), sabia que os computadores iam ser cada vez mais ferramentas ao serviço da música (assim é, hoje) e por isso tinha-me inscrito numa grande instituição universitária que me ia dar as ferramentas necessárias para eu me expressar como indivíduo aproveitando o que o sistema de ensino possibilita para chegar a ser alguém nesta vida, contribuindo com essa pequena parte que me toca, ao desenvolvimento da sociedade e à construção de um sítio no mundo onde possam nascer, crescer, viver e realizar-se os meus filhos... uffa! Ok, em Maio abandonei o curso, em Julho estava a trabalhar num armazém de batatas... o problema é que que continuo a precisar dessas ferramentas.

Falto de ferramentas, 7 anos depois volto a dar uma oportunidade ao sistema de ensino superior para me ajudar na minha capacitação para o futuro... essa coisa imprevisível que é o futuro. O primeiro ano correu bem, 6 em 7 foi obra, mas os seguintes a coisa já não foi bem a mesma. Parte do segredo do primeiro ano foi que era tudo novo, o meu trabalho era aborrecido e o meu patrão um explorador, e também porque dediquei mais horas a estudar e fazer trabalhos esse ano que em toda a minha vida; de alguns trabalhos fiz o meu e o de mais 3 colegas. E depois voltei a fazer o meu, para ficar melhor que ao princípio e ser o melhor, mais bem explicado e mais bem apresentado dos 4, puro narcisismo. E assim aprendi, demorei mas aprendi.

Do meu grupo de 8 colegas de cada dia acabamos 2 antes do final do primeiro ano. E no ano seguinte caiu mais um, e o ano passado também caí eu. Este ano, ando a ver se me levanto. No primeiro ano passei a 6 em 7, no segundo 3 em 7, a meio do terceiro ano mandei tudo às urtigas e fui aprender outras coisas trabalhando, e este ano o ainda não existem esperanças académicas animadoras, e com a quantidade de trabalho e aviões que se me avizinham, vai ser complicado passar às 5 a que estou matriculado.

Toda a vida ouvi dizer que “a universidade não é para todos”; e isto soou a coisa depreciativa muitas das vezes que foi dito. E as razões que no inicio do primeiro ano fizeram juntar os 8 gajos que andavam, comiam, estudavam e faziam práticas juntos e que acabaram mais cedo ou mais tarde em “insucesso escolar”, são esta magia humana explicada por uma expressão roubada ao Chico: “freaks flock together”.


Um diretor de orquestra disse que a medida dele para o sucesso era a quantidade de brilho nos olhos que ele conseguia manter à sua volta. O verdadeiro reconhecimento do seu trabalho era a emoção dos que o rodeiam. E os olhos que brilham são os do doutor, os da dona de casa e os do padeiro. O brilho dos olhos das pessoas depois de um concerto da Maria João, dos Madredeus ou de tantos outros concertos onde eu era responsável pela distribuição do som na sala, faziam com que fosse fácil para mim pensar: “Ainda bem que não sou engenheiro informático. Gosto mesmo daquilo que faço!”. Este deve ser o brilho que devia ter nos olhos o grupo dos 8 a fazer simulações simultâneas de circuitos digitais para 4 práticas ao mesmo tempo. Este deve ser o brilho que tinha nos olhos quando o ano passado aprendi por minha conta a programar mesas de luzes e a desenhar concertos em AutoCAD em plena época de exames.

Porque sempre acabo por encontrar coisas com que me entreter em época de exames, em vez de estudar 8 horas seguidas, que o peso social diz que “era o que devia”, encontrei na internet uns vídeos de uma pessoas com umas ideias radicais acerca da educação, da criatividade e do sucesso, que acho imperativo que todo o mundo veja, pense e discuta. Entre eles apresentam-se dados que são brutais: em 30 anos o total de pessoas licenciadas duplicar-se-à. Um canudo, que antes garantia um trabalho hoje não é mais que um papel. Quantos licenciados conhecem que não têm trabalho ou que trabalham em coisas diferentes às que estudaram, com ou sem sucesso? Mais importante, quantas pessoas conhecem que realmente estejam apaixonadas por aquilo que fazem?

Há gente que me conhece que sabe que o meu trabalho é como uma paixão: posso estar horas a falar com outro freak sobre PA's e mesas de mistura; sabem que estou totalmente despegado e fora do alcance do resto do mundo nos momentos em que estou a montar um concerto; parar histérico a contemplar a beleza de uma iluminação ou a clareza da musica num recinto, com uma boa banda a tocar ao vivo, é chegar ao nirvana para mim; poder falar sozinho e dizer “olha-me bem para o que montamos aqui” é um luxo. E é um luxo porque descobri entre as aleatoriedades da vida uma coisa que gosto de fazer, algo que quero fazer toda a vida (carregar camiões à parte); e é um luxo porque descobri que há espaço aí para que eu me possa aproveitar de toda a inovação tecnológica que serve o meu mètier para dar asas à minha criatividade. E depois há a musica... e eu vivo aqui, neste limbo entre a arte e a ciência... adorador da beleza da tecnologia!


A universidade não é pois para todos, e isso não tem porque ser uma coisa má! O insucesso escolar é um problema do sistema de ensino que temos, não é culpa de um aluno em particular. E numa época em que se fala tanto de reforma do sistema de ensino, do processo de Bolonha, em que há greves de professores e alunos, e em que a revolução tecnológica anda a fazer mudar as regras de tanta coisa em tão pouco tempo, é provavelmente preciso repensar toda a estratégia do sistema com que pensamos educar os nossos filhos, a começar no momento em que nascem, altura em que mais capacitados estão para aprender. É preciso educar a Criatividade, da mesma maneira que a Matemática o Português.

And now what? Que faço com o meu curso? Se houvesse um título de “Técnico de som polifacético com interesses em iluminação arquitetural e bom sentido de tom” acho que seria mais feliz durante as épocas de exames. Agora estaria a estudar para os exames de Canto Coral, Iluminação de Interiores e Sonorização de Salas de Estar, em vez de aqui a escrever este manifesto. Onde é que está a escola que me outorga estas aptidões? Pode Bolonha, cujo desejo é avaliar competências em vez de conhecimentos mudar alguma coisa? Se a “reforma” se ficar pelo ensino superior, acho que não pode com nada. Mas eu posso! Querem apostar que o meu filho vai saber falar pelo menos 3 línguas antes dos 4 anos? Ou cantar? Ou tocar um instrumento? Ou pintar? Ou escrever? Ou ser médico?

And now re-what? Que faço com a minha vida? Encontrarei para sempre um trabalho que me realize e me faça feliz? Sim. E se não for aqui será noutro lado. De certeza que em Àfrica há trabalho para um “Técnico de som polifacético com interesses vários, muitos por descobrir, e bom sentido de tom”. De certeza será inovador e criativo trabalhar aí! E de certeza que vai haver muito brilho nos olhos à volta.

Desculpem lá a dimensão da coisa, e a antecipação. Até sexta!

Cada um destes vídeos dura 20 minutos; os três juntos totalizam um ganho de uma hora de vida. Começem pelo primeiro.


Sir Ken ecologia na educação
Elizabeth Gilbert mente creativa em pânico
Benjamin Zander por um brilhosinho nos olhos


Mais ideias em TED.com

sexta-feira, março 20, 2009

A little bit of history repeating

Há coisa de dois anos, um francês com quem trabalho levava calçadas umas sapatilhas Nike, estilo bota de basket vintage, verde e rosa fluorescente sobre fundo branco com umas tiras de velcro. Achei: “Uau, que retro!”... afinal era um presságio de futuro!

Na altura começava também a ver-se o regresso dos Ray-Ban modelo piloto de avião, lentes verdes ou castanhas, ao gosto de cada um. Entretanto voltaram também os headphones grandes, os gira-discos portáteis (com porta USB), voltam a fabricar-se Lotus e o design readoptou as linhas rectas; voltam os maillots, os cabelos curtos espinhados com gel, ao mais bom velho estilo Studio Line, as t-shirts rasgadas. Os U2 voltaram a Berlim em busca de inspiração; o Bowie está por lá agora mesmo. Os Depeche Mode têm um disco novo aí mesmo a rebentar, e o Martin L. Gore, encarnação dos anos 80 em carne e osso, avança que é mais electrónico que o último. Pop e electrónico.

De passo pela Plaça dels Angels (aka Praça do MACBA) encontramos às horas de sol a fina flor da sociedade contemporânea de Barcelona: os putos estrangeiros. Um olhar fugaz detecta que a maioria desta gente nova se protege da radiação emitida pelo astro-rei com umas lentes parecidas a umas que a minha irmã tinha back in the days, que eram da marca ESPRIT; armações de massa largas, linha superior quase recta um pouco saliente para fora no final: espaço reservado para um pequeno losango de metal a lado e lado. As gafas do Neo são coisa do passado. 4 em cada 5 calçavam All-Star's.

Os oitenta passaram por mim entre os 2 e os 12 anos, quase sem eu dar por eles... a minha mãe tomava conta de todas as minha preocupações estilísticas; as calças de bombazine, com ou sem joelheiras, e um pulóver bem posto em cima dos ombros, com as pontas das mangas enroladas à frente tipo meia, eram os clássicos do meu bem-vestir. Era um puto bem pouco fashion; ainda hoje... O terror estilístico desta década devem-no ter vivido muito melhor os meus manos e mana: as sapatilhas Sanjo, os cabelos volumosos, a Samantha Fox, os enchumaços... tudo volta, porque tudo o que desperta amor e ódio é divino, e como tal adorado.

Não sou o maior fã da moda dos 80's, mas quase tudo o que é kitsch me faz sorrir... o meu contributo ao revivalismo estético que vivemos nos dias de hoje é o ginásio que escolhi a inícios do ano para aprender a arte do Muay-Thai: localizado em cima de uma oficina de mecânica, bate-chapa e pintura, há 30 anos nestas instalações, a paragem no tempo do Gimnás Marin tem um ar tão contemporâneo como os putos sentados à porta do MACBA. Volta Stallone, estás perdoado... o Vin Diesel já era!!!

Prá semana: Festa da Primavera

eye of the tiger Gimnás Marin
macba Museu d'Art Comtemporani de Barcelona
retro-fitness Fotos dos Cartazes

domingo, março 15, 2009

Mirando a Yucali

Afinal dormi até tarde, afinal mudo de tema, afinal de contas... sou livre! Afinal de contas até tenho uma boa desculpa para chegar atrasado: esta sexta-feira trabalhei... em Olot, que em Portugal viria a ser como Alcobaça ou assim: uma terrinha, com uma igreja bonita.

Ando desde o ano passado de gira com uma palhaça, actriz, acrobata, saxofonista, clarinetista, cantora lírica, poetisa, declamadora... é uma espécie de one-woman-show, não fosse o trio de jazz que a acompanha! E o espectáculo é todo ele jazz, improviso... esta é uma companhia que não ensaia, nunca... e quando finalmente põe os pés na corda, debaixo não há rede! No meu primeiro espectáculo, 20 minutos antes de começar a função chegou-me o guião... que é uma espécie de texto onde é mais fácil perder-se que encontrar-se! "Mirando a Yucali" é sempre igual e sempre diferente... como o rio que passa.

"Mirando a Yucali" depois de visto 20 vezes começa finalmente a fazer sentido na minha cabeça... é a história de um palhaço, Goddote, que carrega pela vida o peso dumas armas inúteis com que se tenta defender. Munido de um capacete azul, não vá o céu cair-lhe em cima; uns óculos de soldador para se defender do sol; um sobretudo ao qual leva atado a selva amazónica; um saxofone barítono sobre os ombros, carregado como uma cruz; umas pulseiras de picos, como os espinhos de uma rosa e umas luvas de boxe... Goddote tenta comunicar, tenta chegar a algum lado, tenta saber o caminho, encontrar soluções, mas é tão grande o fardo... a vida.

Esta personagem carregada dos seus medos, dos preconceitos dos outros e de dúvidas acerca das soluções do Criador acaba por se conseguir despir de todas as suas máscaras e de todos os seus escudos e armaduras, e livre destas defesas consegue chegar ao coração do próximo, dessa forma simples que é a voz poética do povo... em que qualquer pedaço de passeio serve de palco a um musico de rua, qualquer corrimão de corda a um acrobata, qualquer caixa vazia de instrumento a um percussionista, qualquer pessoa de público a um palhaço... numa conversa de balcão, um encontro de escada, numa viagem de metro.

O destino quis um dia que eu me cruzasse com um técnico de luzes lesionado num corredor da universidade, que me adoptou em sua casa enquanto eu não encontrava uma para mim... quis que ele, sonhador megalómano hiperactivo, conhece-se uma palhaça que precisava dum técnico de som. Pum... eis-me assim em "Yucali". 20 espectáculos depois, entre casas ocupadas, tendas de circo, salões paroquiais e teatros de gabarito e por culpa dumas motos, acaba por uns tempos esta minha jornada. O de sexta-feira passada foi na escadaria de um teatro em obras.

Yucali em Olot apanhados pela TV
Alba Sarraute palhaça de serviço
La Flama cultura de base

sexta-feira, março 06, 2009

São favas, senhor... são favas!


Conta a lenda que por volta de 303 DC, estava o Sr. Medir, um pagés (camponês) tão tranquilamente a plantar favas na serra de Collserola, um cabeço por cima de Barcelona, quando avista muito aflito Sever, Bispo de Barcelona. Estavam pois os romanos em campanha de perseguição aos cristãos, e o homem a tentar chegar a Sant Cugat sem ser apanhado.

Explicadas a Medir as razões de tanta pressa, e decidido a morrer pela fé de Cristo, o bispo ordena a Medir que se os legionários perguntam por ele, que lhes responda com a verdade. Pouco depois chegam os romanos, e claro está, perguntam a Medir se tinha visto Sever. Medir diz que sim, e indica com verdade o caminho que o bispo tinha seguido.

Dito isto, o milagre, ah ah... e não é que as favas, recém plantadas, crescem de repente e florescem, que nem no Entroncamento! Pelo sim pelo não, os romanos prendem Medir, e capturado também o Bispo, procedem ao martírio dos dois indivíduos.

Para celebrar este agora santo Medir, em Grácia, diferentes colles (agregações de pessoas) montam a cavalo e passeiam pelo bairro todo o santo dia, distribuindo à mão cheia rebuçados que as bestas levam nos alforges. Toneladas de rebuçados!?!

Comparando o caso deste pobre com o da rainha santa, melhor sorte teve Isabel de Aragão, que mentindo se safou. E é com uma pequena reflexão sobre a sorte e o azar que acabo esta crónica.

Estava nos meus planos para o passado dia 3, depois de 5 anos aqui, assistir finalmente à cavalgata de Sant Medir, e levar uma provisão anual de caramelos para casa. Contudo, as vicissitudes dos meu trabalho, quiseram que assim não fosse. Acabei por ter uma reunião à hora do desfile. É azar!

Contudo, esta reunião acabou por ser the beggining of a good friendship com um cliente novo, que em pouco menos de 3 dias, me atou à cobertura televisiva do campeonato do mundo de motociclismo, categoria MotoGP. Tenho a facturação anual assegurada! Começo no Qatar em Abril e depois vou por essa Europa fora... 13 provas, 52 dias de trabalho mais 26 em viagens e nenhum me cai em cima de um exame. Isto é sorte!

Afinal são motas, senhor... são motas... vrruuummm!
Na próxima semana: Como pudémos amar os 80?
colles Federació de Colles
vruuum MotoGP
sorte Dorna Sports